quarta-feira, 16 de novembro de 2011

SUA MAJESTADE, O QUEIJO DO SERRO!

O queijo é parte do imaginário de Minas Gerais. A majestade deste produto com cara e cheiro de Minas é mais uma vez o foco deste periódico, já que o Serro está, mais do que nunca, com a faca e o queijo nas mãos. Nas expressões, no cotidiano, nas conversas de esquina e, fundamentalmente, na mesa, o Queijo é a alma do Serro. A delicia desta iguaria encantou até ao cinema, com o recente lançamento do documentário político e poético de Helvécio Ratton, O Mineiro e o Queijo, filmado no Serro, Serra da Canastra e Alto Paranaíba.

O Filme apresenta o queijo minas artesanal como “um patrimônio ameaçado por leis anacrônicas e pelo lobby dos grandes laticínios” - www.omineiroeoqueijo.com.br. O documentário lança uma grande pergunta: Por que o Queijo Minas pode ser consumido pelos mineiros e não pode estar na mesa dos paulistas, cariocas e outros brasileiros?
Na tela, opiniões de produtores, pesquisadores e técnicos sobre os entraves na produção do verdadeiro queijo minas e o amor dos produtores ao oficio de criar arte gastronômica, como no depoimento de João Magno Pimenta, produtor de Alvorada de Minas que diz que  “o queijo é uma benção”.

Indicação Geográfica
Tradição, cultura, patrimônio, vida, paixão: o Queijo do Serro extrapola o limite conceitual de produto alimentício e econômico para ancorar-se na singular interpretação da cultura das Minas Gerais. “Aprendi a fazer queijo com o meu pai, que aprendeu com o meu avô. A minha família produz queijo, há gerações. Preservar o queijo é preservar a história da minha família, da minha cidade, da minha região”, destaca o produtor de Alvorada de Minas, José Daniel dos Santos Pimenta.

Paulo Levi e Marilac: tradição veio com o casamento
A família de Paulo Levi é uníssona na declaração de que fazer Queijo é uma arte e uma paixão. A tradição queijeira veio com a esposa, Luiza Marilac Mesquita Nunes, que recebeu do pai a “receita” para manter a história, há 40 anos. “Se eu for à roça e não passar no quarto de queijo, eu não fui à roça”, conta Marilac.
E este tradicional fazer queijeiro na região do Serro, que engloba 11 municípios, tem agora uma importante ferramenta para garantir qualidade, proteção, tradição e valor ao produto. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) aprovou o pedido da Associação dos Produtores Artesanais do Queijo Serro (Apaqs), de Indicação Geográfica (IG) para o tipo de queijo artesanal fabricado nesta área do Estado. O reconhecimento, da espécie Indicação de Procedência (IP), foi publicado, em 27 de setembro de 2011, na  Revista da Propriedade Industrial, órgão oficial do Instituto.
A Indicação Geográfica - de acordo com o INPI, órgão vinculado ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - é uma garantia quanto a origem de um produto e/ou suas qualidades e características regionais. Segundo Jorge Brandão Simões, presidente da Apaqs, que representa 80 produtores de queijo, o controle vai ser realizado a partir de um selo aplicado ao produto que cumpre as características indicadas pela Associação. “A Indicação Geográfica é um instrumento de base legal para resguardar e proteger o Queijo do Serro contra falsificações”, ressalta.
O selo ainda vai valorizar o investimento das queijarias da região em manter as boas práticas de produção, com segurança alimentar, e amparadas na legislação sanitária vigente. Jorge informa que vai receber o selo o produtor registrado que seguir o Caderno de Normas da Apaqs, formatado a partir de reuniões com os produtores locais, que determina uma receita padrão para o Queijo do Serro. “Elegemos, com os produtores, um padrão para apresentar o nosso produto, com indicação de peso médio, altura e diâmetro ideal, e porcentagem de ingredientes - pingo e sal”, explica Jorge. “Temos a ferramenta para preservar o verdadeiro queijo artesanal do Serro e valorizar a cultura da região”, argumenta.

Comercialização
A Cooperativa dos Produtores Rurais do Serro aprova a iniciativa de proteção do patrimônio, mas ressalta que o cumprimento das normas sanitárias é a principal preocupação hoje dos produtores. “O Queijo do Serro é uma marca forte. A certificação dos produtores e a marca da Cooperativa já promovem uma diferenciação do produto. Acredito que a delimitação geográfica vai amparar as ações de combate à falsificação do queijo”, aponta Carlos da Silveira Dumont, presidente da entidade.
O presidente ressalta que a Cooperativa já está se preparando para ampliar o mercado de Queijo do Serro para o Brasil, com o apoio do Governo do Estado, a partir da proposta de que a fiscalização em Minas Gerais seja o parâmetro de avaliação do queijo em outros estados brasileiros. “O nosso caminho é via Estado. Esperamos um acordo entre o IMA  e o Ministério da Agricultura para que a inspeção estadual tenha valor na aprovação do queijo nacionalmente”, explica.
E a Cooperativa já planeja a adaptação do seu espaço físico para acompanhar a ampliação da demanda. “Estamos trabalhando para construir uma fábrica nova e transformar o espaço da atual em um belo entreposto de recepção de queijo artesanal”, vislumbra Carlos, que aposta na ampliação da capacidade de recepção de leite - de 15 para 120 mil litros/dia - e de queijo artesanal para poder atender a um número maior de cooperados  - hoje, são 62 produtores associados. 

Festa do Queijo
Na palavra de muitos produtores de leite e queijo do Serro e região, a 27ª edição da Festa do Queijo foi a melhor dos últimos anos. A Festa ampliou o foco no produtor, com muitas novidades, como a premiação do torneio leiteiro,  que teve a participação de 40 animais, e apresentou genética de ponta; a montagem de um ponto de apoio ao produtor, com degustação de petiscos do Festival de Tira-gosto de São Gonçalo do Rio das Pedras. “A Festa tem quatro pilares: cultural, econômico, político e social. Para nós produtores, o que importa é a parte econômica. Este ano avançamos muito. O nosso foco é desenvolver um evento realmente voltado para a agropecuária”, aposta o Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais do Serro,  Roberto de Castro Teixeira.
Já a Secretária Municipal de Agricultura e Pecuária, Silvana Aline Dumont Hallack, acredita que a Festa e o próprio Queijo do Serro têm tudo para alcançar destaque nacional e internacional, mas é preciso que os setores envolvidos trabalhem na mesma direção: “sabemos o que queremos e o que devemos fazer para alcançar nossos objetivos, mas é preciso que todos os envolvidos no processo de valorização do Queijo estejam integrados e direcionem seus esforços”.
A tradicional cavalgada desfilou pelas ruas, convidando a população a participar da Festa com mais de 300 cavaleiros. O concurso de marcha também  foi um sucesso apesar da decisão tardia em realizá-lo, segundo o Diretor de Eventos do Clube do Cavalo, Rafael Gomes Nunes. “Antes da festa houve uma discussão sobre se o Concurso de Marcha deveria ou não ser realizado, isso atrapalhou a organização, mas tivemos mais de cem inscrições”, indica Rafael.

Leilão Leiteiro
Outra novidade este ano, foi a realização de leilão de gado leiteiro, que movimentou cerca de R$400 mil em potencial de negócios, segundo dados do  Sindicato. “O Serro já tem genética de qualidade para competir em qualquer leilão, não precisamos buscar vacas em outras regiões para apresentar”, comemora Roberto de Castro.

Roberto Teixeira (E) e a equipe do Sindicato - foto PMS

Os leilões foram organizados pelo Núcleo de Criadores e Melhoradores de Bovinos do Serro e Região, um grupo formado por onze produtores de leite e queijo para valorizar e desenvolver a genética bovina leiteira na região. “O custo de levar um animal ao Parque de Exposições é alto. O leilão é uma forma de gerar receita para estimular a apresentação dos animais”, explica Moises Antônio Barbosa, Vice-Presidente do Núcleo.
O tradicional Concurso Regional de Queijo do Serro elegeu o sabor de Alvorada de Minas, com o produtor João Valter de Miranda, que conquistou os jurados no aspecto global, cor, textura, consistência, aroma e sabor. E o segredo desta iguaria João Valter resume em uma frase: “produzir Queijo do Serro para mim é uma arte!”.
Jorge Simões e Silvana Dumont entregam o troféu de campeão no Concurso de Queijo Regional a João Valter (E)
O Presidente do Núcleo de Criadores, Ailton Aparecido de Lacerda, entrega premiação do Torneio Leiteiro ao produtor Walter Machado Junior, que ganhou o primeiro lugar na categoria 1/2HPB, com a vaca Itambé - segunda colocada na classificação geral, com a produção de 108,5kg de leite em 2 dias - foto PMS

DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

Ari Gonçalves de Almeida sempre percebeu o que estava a sua volta com olhos curiosos e afoitos de quem de tudo quer participar. Muito jovem já se dedicava aos destinos da Juventude Operaria Católica. Ajudou também a definir rumos no Sindicato dos Professores (Sindiute) e no Partido dos Trabalhadores (PT). A Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos é objeto de estudo e dedicação deste filho devoto, que não perde uma manifestação, seja no Serro, onde é Presidente da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, em Belo Horizonte, onde mora,  ou em qualquer outra cidade que seja possível chegar! Esse mineiro de João Pinheiro, cidade do noroeste do Estado, vive em BH desde os 10 anos de idade. Licenciado em filosofia pela UFMG, Ari se aposentou como professor de historia, e ainda deu sua contribuição ao acervo da Imprensa Oficial, com matérias e reportagens ricas em detalhes e pesquisa ampla, publicadas no jornal Minas Gerais. Desta época, Ari Gonçalves conserva uma reportagem que fez, em julho de 1991, sobre o sino “sem torre” da Igreja do Rosário.

Como o Sr. entrou para a Irmandade?
Vim ao Serro pela primeira vez, há uns trintas anos, para participar de um Carnaval. Gostei muito da Festa e me falaram: “Você vai gostar é de uma festa que tem aqui no mês de julho”. Foi meu primeiro contato com a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, e no segundo ano em que participei da Festa, entrei para a Irmandade. Fui festeiro, primeiro Juiz, Rei duas vezes e Mordomo do Mastro. Então fui aprofundando minha relação com a Irmandade e me interessando por tudo o que diz respeito ao Congado e à cultura negra que, já me atraia muito, pela minha própria condição de negro. Até que fui lançado candidato para Presidente. Já estamos no segundo mandato.

Por que a Irmandade do Rosário no Serro?
O que me encanta na Festa do Rosário do Serro é sua característica de profunda fé. Isso me impressiona. Impressiona como Nossa Senhora do Rosário consegue chegar ao coração das pessoas. É também uma festa muito rica em colorido, música, dança. Foge aos padrões tradicionais de uma festa religiosa. Não é uma festa comportada. Eu costumo até dizer que se durante a Festa do Rosário não tiver uma bagunçazinha, não é Festa do Rosário. Uma briga entre congadeiros, confusão na hora de servir almoço na casa de festeiro. É uma festa que foge aos padrões normais de uma festa religiosa, sem deixar de ser uma festa religiosa.  Tem um terceiro aspecto que me liga a Irmandade do Rosário do Serro, que é seu aspecto histórico, conservado a partir da tradição oral. É uma tradição que passa de pai para filho. Este aspecto me interessa também pela minha condição de homem ligado à história. 

O que significa para o Senhor estar como Presidente da Irmandade?
Temos uma responsabilidade muito grande de preservar todo o patrimônio material, espiritual e cultural da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Temos que estabelecer frentes diferentes de atenção. Atenção para o patrimônio material que precisa ser preservado, a nossa Igreja, Cemitério, as imagens. Outra preocupação é manter a Irmandade atual, presente no mundo moderno, mas sem perder suas raízes históricas e as suas referencias tradicionais. Por exemplo, chamamos nossa Assembléia Geral de Mesa do Rosário, e era como se falava em 1728. Ainda elegemos os nossos festeiros como os escravos elegiam. Eles não sabiam escrever, ler, fazer uma cédula, assim, eles estabeleceram a votação por meio de grãos. Cada candidato é votado com um grão diferente, que contamos para saber quem foi o vencedor da disputa. O terceiro desafio é estar atento às possibilidades que o mundo da cultura oferece às instituições - quando falo mundo da cultura, refiro-me ao Ministério da Cultura, Secretarias de Cultura. É preciso estar atento ao que estes órgãos podem nos oferecer para realizar as obras e os anseios da Irmandade.

E a Torre Sineira, como foi esta realização?
Quando entrei para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, vi um sino no chão da Igreja e procurei saber por que ele estava ali. Este sino tem uma longa historia. Ele é de 1810, foi fundido aqui no Serro e pertenceu a uma torre que nossa Igreja teve na lateral esquerda. Esta torre ruiu e toda a Igreja estava em péssimas condições. O presidente da Irmandade, na época, reuniu uma comissão para restaurar a Igreja, mas não havia recursos financeiros. Então venderam o sino para custear as obras. Um dia - é uma historia que quero confirmar - Zé de Fina (José Mourão), que foi irmão do Rosário por muito tempo, descobriu este sino em Belo Horizonte, pelo seu som. Ele passou pelo bairro da Graça, ouviu um sino batendo e disse: “este sino é do Serro. Eu lembro deste sino quando era menino”. Com a descoberta, iniciou-se um movimento para o resgate do sino. O sino retornou para o Serro e então começou uma outra etapa desta historia. Uma discussão entre a Irmandade e o IPHAN sobre como seria construída a torre para o sino. A Irmandade queria a reconstrução da torre original e o IPHAN dizia que não. Passaram-se três, quatro anos até que a Irmandade aceitasse a proposta do IPHAN, mas a Irmandade não teve recursos para construir a torre. Quando assumi a presidência, decidimos fazer um projeto para captar recursos no Fundo Estadual de Cultura, que foi aprovado. Mas tivemos que fazer outro projeto arquitetônico porque o IPHAN não aceitou a planta que a própria instituição havia feito há 30, 40 anos. Depois de muita discussão, inauguramos a nossa torre sineira, em setembro deste ano, em uma cerimônia emocionada.