terça-feira, 7 de setembro de 2010

CASA DE NONÔ PEDE SOCORRO

Associação mantenedora da Casa de Juscelino, em Diamantina, passa por período de limitações financeiras e o Presidente da Fundação, Serafim Jardim, conclama o empresariado a auxiliar na busca de alternativas para garantir o seu funcionamento

A história quando vista a partir de seus meandros e fatos tem nuances de previsões e pressentimentos que inspiram especulações que podem sempre apimentar um tema. Este episódio trata de um pedido entre amigos, exatos 13 dias antes da morte de um deles. Os personagens são nada menos que o Ex-Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira, e seu fiel escudeiro, Serafim Jardim.

A data é 9 de agosto de 1976, o cenário Belo Horizonte. Neste dia, Serafim Jardim, assessor e amigo de JK, recebe a quase missão de comprar a casa da Rua São Francisco nº 241, em Diamantina - naquele momento, nenhum dos envolvidos tinha a dimensão do que estava por vir, mas era como se pressentissem... O pedido partiu do próprio Presidente Juscelino Kubitschek, que queria ter uma casa em sua cidade natal. “O impressionante é que JK nasceu em Diamantina e não tinha uma casa na cidade. Ele disse que fazia questão de ter uma casa em Diamantina e pediu que eu comprasse a casinha. Foi o último pedido que ele me fez”, conta Jardim.

O presidente morreu em um acidente de automóvel no dia 22 de agosto de 1976 que, segundo afirmações do amigo Serafim Jardim, publicadas no livro “Juscelino Kubitschek - Onde está a verdade?”, não aconteceu por força do destino, mas por intervenção de grupos políticos contrários ao Presidente. “Em nome de nossa amizade que, segundo Juscelino, era uma velha tradição de família, resolvi numa batalha muito árdua restaurar a casinha e, em 1985, estava aberta para visitação a Casa de Juscelino”, conta Serafim.

Hoje, 25 anos depois, Serafim Jardim luta para manter viva esta parte da memória do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), preocupado com a falta de recursos para garantir aberta e em funcionamento a Casa de Juscelino, misto de museu, biblioteca, bar e praça de eventos, no Centro Histórico da cidade. “Acredito que a campanha SOS JK vai sensibilizar os patrocinadores que entendem a importância de Juscelino na vida do país. Este aqui é o Memorial JK de Minas”, afirma.

A “casinha” como é carinhosamente chamada por seu benfeitor tem 120 anos e abrigou JK dos 3 aos 19 anos. O imóvel é de propriedade do governo de Minas, embora a gestão esteja a cargo de uma organização de sociedade civil de interesse público (Oscip), e fica em área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e reconhecida como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

Serafim Jardim conclama o empresariado a ajudá-lo a preservar a história do mineiro que foi prefeito de Belo Horizonte (1940-1945), governador de Minas (1951-1955) e chefe da República (1956-1961), além de médico. “Juscelino foi o maior presidente que este país já teve. Foi o homem do desenvolvimento. As grandes indústrias foram trazidas por ele. Em Minas Gerais, temos empresas como a Cemig e a Usiminas que foram criadas por Juscelino”, justifica Jardim.

A crise na Casa de Juscelino começou em 2009, a partir de problemas no repasse de verbas pelo Governo de Minas Gerais - Secretaria da Cultura. Até então, diz Jardim, a instituição se beneficiava da Lei 9.722/88, que autorizava a ajuda financeira pelo Estado, algo em torno de R$ 150 mil por ano. “Ficamos sem receber esse valor durante seis meses, no ano passado, e a situação ficou muito difícil, pois temos sete empregados, custos de manutenção, encargos sociais, fazemos uma revista bimensal e não há receita para arcar com os gastos”, afirma.

Segundo Jardim, a visitação mensal gira em torno de 1 mil pessoas, com média de 320 pessoas por dia nos fins de semana, feriados, época de Vesperata e férias de julho. No restante do ano, o número cai para 30 visitantes diários. Com ingresso custando apenas R$ 2, o movimento de visitantes rende parcos R$ 1 mil mensais, quantia bem distante dos R$ 12 mil necessários para fechar as contas e deixar os responsáveis respirando aliviados.

“DE SERRO A BELLO HORIZONTE EM 14 HORAS”

Que manchete é esta? Os editores deste jovem periódico devem ter se equivocado, ou será mesmo possível a veracidade destas palavras? Para entender o ineditismo da manchete, é preciso apenas um ajuste no tempo. A notícia a que se refere o anúncio foi publicada na Folha da Noite Mineira, em 25 de maio de 1929, e dava conta da primeira viagem entre Serro e Belo Horizonte realizada em automóvel - Belo com dois éles? E o subtítulo indica que “antigamente era viagem de oito dias”! O autor da façanha foi o serrano Adelardo Ribeiro de Miranda, em um “Chevrolet”, segundo conta o redator da Folha da Noite Mineira, e explica que a viagem era realizada, até então, à cavalo, “a maneira dos bandeirantes, até a tradicional cidade de Diamantina, onde se alcançava o comboio Central, para a capital mineira”, relata.


Outro fato interessante publicado na referida matéria é o valor da construção da estrada (50.000$ - 50 mil réis) que foi adquirido por donativos entre moradores do Serro e região e outros interessados no benefício - naquela época se amarrava cachorro com lingüiça e a iniciativa privada ainda se julgava responsável pela melhoria da infra-estrutura pública!

De lá para cá muita coisa mudou. Outras alternativas de estradas para o Serro foram construídas, o asfalto é uma realidade na ligação entre Serro e a capital passando por Curvelo, mas o trecho da MG-010 que liga Serro a Conceição do Mato Dentro continua esquecido pelas autoridades estaduais - e também pela iniciativa privada! Ei, Anglo Ferrous do Brazil (meu Brasil é com ésse!)!

A estrada oferece uma redução de aproximadamente 100km entre o Vale do Jequitinhonha e Belo Horizonte e, claro, o seu asfaltamento é um sonho acalentado há décadas pela região. No dia 11 de junho de 2010, uma notícia reacendeu a esperança de conquistar o asfaltamento da MG-010. A notícia foi trazida pelo Governador de Minas Gerais, Antônio Augusto Junho Anastasia, em visita ao Serro: o início imediato das obras de pavimentação da estrada que liga o Serro a Conceição do Mato Dentro. O projeto prevê o asfaltamento dos 46 quilômetros do trevo de Dom Joaquim ao Serro - já que o restante da estrada está em obras -, o alargamento e recuperação de cinco pontes e a construção de mais uma, com investimento previsto de R$ 37,5 milhões.

Além da pavimentação da MG-010, o governador Anastasia anunciou a liberação de recursos para a construção do Anel Rodoviário do Serro. Essa obra, demandada há vários anos pela população local, irá desviar o trânsito pesado do centro histórico da cidade - atualmente, o trânsito na BR 259, que liga Brasília a Vitória, com a ligação das regiões leste e oeste de Minas Gerais, é desviado para o centro do Serro, com a constante circulação de veículos pesados nas ruas da cidade.

Haja vista os expressivos investimentos do Governo de Minas na região - asfalto para Alvorada de Minas e Santo Antônio do Itambé; asfalto entre Serro e Diamantina, passando por Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras - pode-se quase comemorar o anúncio. Mas, como bons mineiros, aguardamos o início da obra antes de termos certeza de que o trajeto asfaltado entre Serro e Belo Horizonte vai ser reduzido em alguns quilômetros e, portanto, também em tempo de viagem. Quem sabe o Ekos de Minas não poderá, em breve, publicar a matéria Viagem do Serro a Belo Horizonte tem apenas 230km!” para, quem sabe, no futuro, servir de parâmetro a alguma publicação - provavelmente eletrônica - que dê conta da rota de avião entre Serro e a capital!
 
E O QUE PENSA A POPULAÇÃO?
 
“A construção do asfalto Serro-Conceição do Mato Dentro é muito importante. O acesso à capital vai ser facilitado. Tem mais de dez anos que ouvimos falar neste benefício. Se vier mesmo vai ser muito bom para a região”. Vicente Nunes Mourão, Empresário, Serro, MG




“Em primeiro lugar, o asfalto vai reduzir o tempo de viagem para BH, assim é possível ir e voltar à capital no mesmo dia. Por outro lado, a estrada é um corredor para o desenvolvimento regional, possibilitando uma redução significativa da distância entre Serro e BH e favorecendo, entre outras coisas, a ampliação do turismo”. Maria Lúcia Magalhães da Cunha Pereira Almeida, Advogada, Serro, MG



“Com o asfaltamento da MG-010 será possível chegar a BH mais cedo e com mais conforto. O que percebemos hoje é que mesmo com parte da estrada ainda sem pavimentação muitos passageiros e motoristas de carros de passeio preferem passar pela MG-010 pelo tempo reduzido de viagem e menor quilometragem”. Antônio Farnesi, Diretor do Terminal Rodoviário do Serro, MG

“RODANDO PELA GRANDEZA DO BRASIL”

Se existe um serrano que faz jus à palavra empreendedor, ele é Walderes Ribeiro de Miranda. Nascido em 1928, começou seu primeiro negócio aos 18 anos, transportando queijo e cereais, “rodando pela grandeza do Brasil”, conforme indicava a inscrição no pára-choque de seu caminhão. De lá para cá teve 42 sócios em diferentes negócios: empresa de ônibus, casa de peças, carvão, posto de gasolina, oficina mecânica, depósito de material de construção, papelaria. Na entrevista, o Ekos de Minas retorna no tempo a partir da visão deste ilustre personagem para desenhar o Serro da primeira metade do século XX, com as dificuldades e conquistas da época. Aproveitamos a prodigiosa memória e a gentileza do Senhor Walderes para construir um retrato da evolução a que se submeteram as cidades mineiras, focando um momento em que as residências não dispunham de energia elétrica, água, telefone ou qualquer comodidade oferecida pela vida moderna. Obrigada ao entrevistado pela rica contribuição que extrapola os limites desta Coluna, se embrenha nas entrelinhas da reportagem principal e oferece subsídios ao Inusitado.


INFÂNCIA

Eu nasci onde hoje é a Pousada Mariana (centro do Serro). Minha mãe deixava, quando muito, que eu saísse depois dos estudos. Eu vinha da escola, almoçava e tinha que trabalhar uma hora e meia no armazém do meu irmão, para dar folga ao gerente. Terminava ali, chegava em casa e tinha que estudar até as cinco. Depois a gente pedia: “- Mãe, já são cinco horas posso brincar?” Ela perguntava: “- Já fez todos os deveres?” Ela conferia tudo e eu podia jogar bola no Bota-Vira.

BANHO DE CHUVEIRO
Eu sou do tempo que tomávamos banho de bacia. Só fui tomar banho de chuveiro - com água carregada que meu pai mandava colocar na caixa - na época em que Juscelino (Kubitschek) veio aqui, quando era prefeito de BH (1940 a 1945). Ele era muito amigo de infância do meu pai. Pegávamos a água nas torneiras do chafariz, que ficava na Praça Adelardo Miranda. As casas do Serro demoraram muito a ter água. A primeira foi a do meu pai e assim foi seguindo, uns e outros colocaram.

ENERGIA ELÉTRICA
Nós tivemos aqui, no inicio, luz a gás na rua, com lampiões. O responsável por acender os postes se chamava Propércio Guerra. Ele saía da ponte do Rio do Lucas em direção à Praça (João Pinheiro), passava na Cadeia, depois na Matriz e na Rua São José, acendendo os postes. Nas casas só tínhamos lampião, lamparina, candeeiro; alguns usavam a canela de ema, que servia para iluminar e aquecer a casa. Depois de muitos anos, veio viver no Serro o libanês Nagib Bahmed, que estabeleceu um comércio muito grande aqui. Ele ganhou muito dinheiro e decidiu construir uma Usina Hidráulica. O terreno onde foi construída a Usina era do Prefeito à época, Antônio Honório Pires de Oliveira. O gerador de luz tinha 20 KVA, o que era suficiente para a cidade toda. Quando a luz chegou lá em casa foi uma alegria, porque meu pai já havia comprado com antecedência um rádio e também colocou um rádio desses em um bar e restaurante que ele tinha aqui no centro. Quando havia futebol no Rio de Janeiro, o pessoal ia lá para escutar, mas o rádio mais chiava do que a pessoa escutava!

TRABALHO
Comecei a dirigir caminhão quando fiz uma sociedade com meu irmão mais velho, José Osvaldo de Miranda. Ele me convidou assim: “Nós temos que comprar mais um caminhão.” Eu tinha 18 anos e fazíamos comércio de queijo e cereais. Completamos o terceiro caminhão, e eu comecei a levar queijo para São Paulo e Rio de Janeiro e trazer mercadoria para o Serro. Como o comércio cresceu, compramos o quarto caminhão, com um primo, Fábio Miranda, que passou a integrar a sociedade. Na mesma época, abri um depósito em Belo Horizonte com outro irmão, o Hélio Brasil de Miranda.

ESTRADAS
Eram um sofrimento nossas viagens. Em tempo de chuva era terrível porque daqui a Conceição tínhamos que abrir 37 porteiras e os rios enchiam. A gente ficava um dia, dois esperando o rio esvaziar. Numa ocasião, gastamos sete dias para ir do Serro a Conceição. Mesmo com correntes nas rodas o caminhão atolava. Aí tinha que descarregar, tirar toda a carga para desatolar o carro. Era normal chegar em Belo Horizonte no depósito e dos 4,5 mil kg de queijo transportado perder 1,5mil kg.

CASAMENTO
Depois de muitos anos viajando, resolvi casar, então tive que parar. Foi então que me estabeleci no Serro, com uma casa de peças para veículos em geral.Montei uma oficina com lavagem de carro, mecânica, lanternagem e pintura. Naquela época, atendíamos a muitos carros da região. Assim, aumentou muito a demanda por gasolina e instalei uma bomba naquela área onde hoje é a Rodoviária.

TELEFONE
Eu tinha loucura para aqui ter telefone. Para comunicar com Belo Horizonte a gente tinha que ir para Diamantina, que melhorou muito e já tinha telefone. E a rivalidade? Ficava com um ciúmes danado! “O quê que você está fazendo aqui paneleiro?” E eu respondia: “Vim telefonar, mocó”. “Pois é o Serro não tem nada!” E eu dizia: “Mas nós vamos ter!” Assim era com meus amigos de Diamantina. Então, criamos a Companhia Telefônica do Serro que tinha a responsabilidade de instalar inicialmente cem telefones. Foi muito difícil, mas conseguimos. Procuramos os amigos e aconteceu um fato interessante. Procurei o Osvaldo, meu irmão, e quando eu estava conversando sobre o telefone a esposa dele, Guili, disse que isso de telefone era à-toa porque “cidade pequena a gente grita daqui e o outro responde dali”. Um dia a filha dela foi hospitalizada e o Osvaldo disse: grita aí que alguém dá notícias. Ela veio pedir o telefone. Depois que pagamos tudo, fomos atrás de implantar o sistema interurbano no Serro, nesta época o Waldemir (Lins Mesquita) já era o presidente da Telefônica. Meus amigos de Diamantina? Liguei para eles todos!

NA RETINA DA HISTÓRIA

A coluna Inusitado desta edição amplia as reminiscências apresentadas pelo Senhor Walderes de Miranda na Entrevista, com imagens que complementam as suas lembranças e nos transportam, também pelo olhar, a época retratada em suas palavras. Passamos por sua Casa de Peças, pegamos carona “rodando pela grandeza do Brasil” e reconstruímos momentos históricos para o Serro e região. Boa viagem!
Praça do Mercado - Serro - 1957

Geraldo Madureira Silveira, Adelmo Batista Lessa, Jairo
Magalhães e Walderes Ribeiro de Miranda em reunião com
representantes da empresa Siemens para aquisição do
equipamento para instalação de telefones no Serro


Sr. Walderes Miranda - BH
Geraldo Madureira Silveira, Adelmo Batista Lessa, Jairo
Magalhães e Walderes Ribeiro de Miranda em reunião com
representantes da empresa Siemens para aquisição do
equipamento para instalação de telefones no Serro
Adelmo Batista Lessa e Jairo Magalhães em reunião com representantes da empresa Siemens
para aquisição do equipamento para instalação de telefones no Serro


Construção da estrada Serro-Diamantina, em 1966
Ênio Batista Nunes, Walderes Miranda, Raul Clementino,
Saulo Tolentino e Adelmo Lessa na Praça de Esportes
Walderes de Miranda “rodando pela grandeza do Brasil”

VIDA LONGA AO MARTE!

Claúdia de Castro Ferreira

Ex-presidente do Grupo Marte de Teatro
 
Na vida há tempo para tudo: nascer, morrer, cantar, pular, alegrar-se, ausentar-se e tudo mais... Quando se aproxima o tempo de mudar não quer dizer que o que já existe deve acabar, mas sim renovar-se, com novos valores e principalmente discernimento para aceitar mudanças inovadoras.


Quando fui convidada, em 1995, para participar do teatro da Semana Santa junto a outros integrantes do Grupo Marte, não esperava que minha participação fosse durar muito tempo. Porém, foi uma experiência única que resultou posteriormente na minha continuidade nos trabalhos dentro da Entidade.

Foram anos bons e pelo Grupo várias pessoas passaram e deixaram sua identidade e ajuda registradas. Foram muitos os desentendimentos e alegrias, mas quem não briga, não luta, chora ou sonha? Assim, descrevo com orgulho a trajetória destes 15 anos de participação e entrega ao Grupo Marte de Teatro.

Hoje o Grupo se apresenta com 25 anos; e 25 anos são apenas o começo para esta Entidade que, mesmo a passos lentos, continuará a sua caminhada. Como ex-integrante posso afirmar que também deixei minha parcela de ajuda. Se hoje deixo o cargo é por uma necessidade pessoal, mas o Grupo não pode deixar de fazer o que sempre fez: o espetáculo mais bonito da região do Jequitinhonha e que merece todo respeito e admiração.

À nova diretoria que assumiu este encargo, de dar continuidade a mais 25 anos de sucesso do Grupo, desejo sorte. A todos que estiveram comigo e que irão continuar, só posso dizer obrigada!

A arte existe e precisa ser recriada e renovada a todo instante, novas oportunidades e talentos também precisam ressurgir, não importa de onde, contanto que façam com que o espetáculo continue. Mais uma vez obrigada.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A FORÇA DAS IDEIAS

Com acento ou sem acento - já que a reforma ortográfica lhe tirou a ênfase, mas não a força - uma ideia é um bom princípio aos grandes feitos. E é assim que nasce o Jornal EKOS DE MINAS, com o intuito de ser recebido como uma boa ideia para quiçá tornar-se uma grande realização. Você está convidado a participar de grandes viagens históricas ou a perceber realidades aí mesmo, ao lado do seu tempo, sem sair do ângulo singular de visão, do seu contexto. A única marca é a de uma publicação que se pretende audaciosa na indicação de conhecimentos, trejeitos e indagações próprias das gentes daqui, dali, dacolá, de muitos lugares, mas sem ultrapassar os terrenos fertéis de Minas Gerais - talvez até, comedindo a ousadia, apenas aqui da região determinada pelos municípios de circulação, que é de onde o eco das gentes, cultura, belezas de Minas mais nos toca.

Aqui, o leitor pode encontrar a apresentação de pessoas já conhecidas em nova perspectiva, na coluna de Entrevistas. O Ekos de Minas traz sempre um convidado, uma nova visão de mundo ou uma confirmação dos paradigmas vivenciados cotidianamente, com a publicação de artigos assinados. O inusitado é realmente a marca dos fatos e curiosidades preservados pela história oral, e aqui registrados para se perpetuarem indefinidamente entre gerações. Enfim, estamos aí. Aproveitem a nossa visão para completar, estimular, sofisticar, ampliar e mesmo observar as coisas de sempre de outra forma. Bem-vindos aos Ekos de Minas!!!!!

UMA HISTÓRIA DE AMOR

A história começa em uma pensão para estudantes em BH. O jovem Walter Machado, mineiro de Piranguinho, matriculado no curso de Medicina da UFMG, torna-se amigo de Helton Magalhães e Waldir Leão. Como todo serrano, apaixonado por sua terra, Helton e Waldir convenceram o amigo Walter a conhecer o Serro. Ele gostou, gostou tanto que por aqui se estabeleceu em 1960. Abriu um consultório na Rua Nagib Bahmed e prestava serviços para a Santa Casa de Caridade - o Hospital do Serro. Mas o consultório não tinha muitos clientes. Intrigado, Dr. Walter procura o amigo Darcy Lins Mesquita e o questiona sobre o movimento do consultório, a que Darcy responde: “Walter, você precisa se casar para receber as famílias em seu consultório”. Darcy só não imaginava que Dr. Walter fosse se encantar por sua sobrinha, Magda Lopes Mesquita, com quem se casou em 1962.

De lá para cá passaram-se 50 anos. Nesta longa trajetória, muitas famílias do Serro e região podem dizer que pais, filhos, netos e até bisnetos nasceram pelas mãos de Dr. Walter! Para arriscar um palpite, o próprio Dr. Walter - com a ajuda, claro, de D. Magda - estima que realizou mais de cinco mil partos e incontáveis cirurgias apenas no Hospital do Serro. Entre eles, os partos dos três filhos e de quatro dos cinco netos. “Eu queria levar a Magda para fazer os partos em Belo Horizonte, mas ela bateu o pé: - Você faz parto de todo mundo, por que não vai fazer o meu?”. E assim foi.

As histórias são muitas. Na época em que começou a clinicar no Serro, a luz dependia de uma pequena Usina Hidrelétrica que fornecia energia apenas até as 18 horas. Depois, um gerador da Prefeitura Municipal garantia o fornecimento até as 21 horas. Muitas vezes era preciso improvisar para salvar pacientes com risco de morte. Muitas cirurgias foram realizadas no Hospital com um recurso criado por Dr. Walter, que adaptou um farol de carro como foco, ligado à bateria da sua Rural Willys, estacionada ao lado da sala de cirurgia. A irmã Júlia Dupim segurava a caixa de luz sobre o paciente e Dr. Walter, assim, podia fazer procedimentos de emergência, mesmo quando era interrompido o fornecimento de energia elétrica.

Outras vezes era preciso percorrer longas distâncias para prestar atendimentos. Quantas noites Dr. Walter foi acordado por um pedido de socorro. Alguém precisava de atendimento urgente em Rio Vermelho, Serra Azul de Minas, Alvorada de Minas e mesmo no Serro. As distâncias eram percorridas com chuva forte ou muitos buracos, sempre em valentes jipes. Dr. Walter conta que muitas vezes, além do longo percurso vencido de carro era preciso atravessar rios, contar com a ajuda de cavalos, andar a pé para salvar uma vida. “Salvei muitas vidas, isso ninguém pode negar. Tenho essa consciência”. “Acho que estou realizado. Acredito que sou um vitorioso na profissão”.

O VALOR DO NÃO - UM PONTO DE VISTA

Numa sociedade inquietante, que busca o positivo a toda força, falar do não talvez seja coisa incomum. No pronto do quotidiano, onde as efervescências oferecem o mais fácil, expor o NÃO talvez não faça sentido. Contudo, o NÃO é uma cortesia usada quando nos pedem alguma coisa, e que significa não podermos deixar de concedê-la. O NÃO me conscientiza a amadurecer o sim, a personificá-lo, emudecê-lo, para atuar-mos com mais responsabilidade. Já nos diz Machado de Assis: “Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito”.

O NÃO nos valoriza, autentificando nossa maneira de agir, controlando nossa personalidade, presenteando-nos com mais sensibilidade o eu. Por essa negativa ou recusa sei onde está meu começo e meu fim. Posso perseverar em minhas ações identificando com mais clareza meu objetivo e onde quero chegar. Na verticalidade da minha palavra o não me lisonjeia a superar esta ou aquela adversidade. Quando recebo um não num inicio pode doer ou trazer desconfortantes momentos, mas posso aprender, depois, grandes lições.

O NÃO oferece a grande metodologia ao limite. Por meio dele, sei onde posso ir e ver o espaço do outro no qual devo respeitar. A dor do não de hoje pode ser a alegria do sim de amanhã. Já nos diz Pedro M.C. Costa: “Não amar é sofrer, amar é sofrer mais”. Em cada ação, atitude ou qualquer coisa que eu faça, tenho duas opções o sim ou o não para responsabilizar o que devo ou não fazer. O NÃO é a primazia da realidade sobre a formula onde coloco toda a minha vontade nesse tempero tão importante para a nossa existência.

Quem não dá o devido valor a esse exprimir de negação, o não, pode cair em armadilhas que podem trazer seqüelas para a vida inteira. Haja vista o excesso de liberdade, o tudo pode para o agora. Quantas vidas existem em nossa sociedade sofrendo com histórias, as mais ricas de conteúdo e dor, devido ao NÃO ser respeitado um dia. Já nos alenta Fernando Henrique Souza: “Pior que amar e não ser correspondido é amar e ser esquecido”. O não jamais é a impossibilidade de me afirmar, é um aviso, um alerta que desperta em mim uma afirmação na qual posso tirar muito lucro para o meu futuro.

O não me presenteia com as mais vivas forças da prudência. Amadurece minha personalidade. Enriquece meus sentimentos e valoriza as vontades do meu coração. Usando esta cortesia estou superando um grande princípio que me pode levar ao sofrimento. Quantos casos são conhecidos em nossa sociedade. Por causa de se desprezar um não e se aventurar num sim quantas lágrimas são derramadas, alimentando ódios, rancores e lembranças que o tempo jamais apaga. Vamos valorizar o não em nossa vida. Façamos do não uma âncora para prestigiarmos nossas vontades que estão embutidas em nossa liberdade. Pensemos nisso.

Cônego Dr. Manuel Quitério de Azevedo é bacharel em Filosofia pela USP e em Teologia; pós graduado em Docência do Ensino Superior; Mestre e Doutor em Teologia. É professor no Seminário Provincial Sagrado Coração de Jesus e na PUC- Minas, Campus Serro. Autor de vários artigos publicados em diversos jornais e nos sites www.cnbbleste2.org.br ; www.diamantina.com.br ; www.bispado.org.br ; www.portalgouveia.com.br

GRUPO MARTE: 25 ANOS DE PAIXÃO E ARTE

“Quando decidimos criar o Marte, não imaginava que vinte e tantos anos depois alguém fosse me perguntar sobre o Grupo”, comemora Eudes de Souza Oliveira, ex-integrante que participou da criação do Grupo Marte - Movimento de Arte Teatral, em entrevista ao Ekos de Minas.
Assim, desde a primeira reunião do Grupo, em 23 de março de 1985, no Bar Di-amantes, do lendário serrano Toninho Rela - Antônio Carlos Dumont Reis - passaram-se 25 anos. Mas há controvérsias, como tudo que depende da memória. Uma outra versão, defendida pelo também ex-integrante do Grupo, Rui Machado, aponta que o primeiro encontro foi na funerária de José Rela - José Reis Junior. Rui explica que uma das convidadas por Eudes e Marisa Miranda – donos da ideia inicial – não compareceu por medo do local escolhido.

O importante é que a ideia de uma turma de quase vinte pessoas, que nascia com a vontade de levar arte e cultura para as ruas e bairros do Serro, deu certo. Entre comédias, dramas e muita inspiração - e segundo relatos de Ranieri Nunes, impresso em prolixa datilografia, em documento apresentado por Sônia Nunes Mesquita - o Marte estreou as primeiras peças de teatro: “Entrou de Caixeiro e Saiu de Sócio”, “Charles Chaplin” e “O Aniversário da Noiva”.

Depois vieram “Crepúsculo e Solidão” e “Bar Miragem”, com roteiro e montagem do próprio Grupo, apresentada no “Garajão”, ponto de encontro de jovens do Serro, na década de 1980. Aqui vale a pena uma pausa para falar sobre o enredo deste espetáculo, que reunia grande elenco de músicos serranos da época e era encenada por dois amigos, que relembravam, no futuro, as apresentações. Na medida em que citavam os artistas, as apresentações aconteciam ao vivo, em tom de lembranças do passado. Assim desfilaram pela memória dos atores e em apresentações ao vivo: Cocó do Cavaco, Eurípedes, Gentil e Diminhas e muitos outros, segundo Rui Machado, um dos atores no palco. Em janeiro de 1987, foi apresentada a peça “Era uma vez... em 1789”, em Praça Pública, comemorando os 273 anos de elevação do Serro à condição de cidade, com Maria Luiza Machado Oliveira no papel de “Maria do Ouro Fino”.

Mas o espetáculo que marcaria a história do Grupo Marte ainda estava por vir: a encenação “Agonia, Paixão e Morte de Cristo”. A apresentação ao vivo, nas escadarias da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, estreou na Semana Santa de 1986. O Grupo teve o apoio da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, comandada na época pelo Cônego Júlio Gomes de Oliveira, e da Prefeitura Municipal do Serro, na administração de José Monteiro da Cunha Magalhães. “A apresentação foi um sucesso, mas ninguém acreditou que fosse dar certo. A Prefeitura ajudou na montagem do cenário, com as três cruzes que estão aí até hoje”, relata Rui, que representou o papel de Jesus Cristo na primeira encenação e durante treze anos seguidos. “Falamos com Dr. José Monteiro: a Prefeitura participa pelo menos com parte do cenário, se a comunidade gostar, amplia depois o apoio”, conta. E assim foi, já que o espetáculo hoje é parte do calendário de eventos municipais e recebe apoio amplo da Prefeitura do Serro para a sua realização.

UM SERRANO DE OUTRAS TANTAS TERRAS

Este serrano que já é do mundo tamanha a experiência e capacidade de “anotar” que lhe é própria, edita blog na Internet que vale a pena para conhecê-lo um pouco e trocar impressões e expressões de vida e sabedoria. É dono de uma das melhores galeria de arte de BH, e circula com desenvoltura pelos restritos espaços de conhecimento e arte mundo afora. Acumula em sua trajetória profissional relevantes conquistas, a frente de projetos financeiros como o Grupo Real (no Brasil, Paraguai e África) e o extinto Banco Bemge. Diplomado em Administração e em Ciências Contábeis, foi Co-fundador e Professor da Universidade de Negócios - UNA, Belo Horizonte, e professor do Curso de Vendas do “Sales Analysis Institute”, Chicago, EUA. É ainda Cidadão Honorário de Belo Horizonte, entre outras muitas realizações pessoais e profissionais. Para inaugurar esta coluna, que deve apresentar mensalmente sentimentos, impressões e expressões das gentes de Minas, Feiz Nagib Bahmed, um mineiro libanês de alma serrana.

QUEM SOU
Eu fui campeão de gude de três buracos. Eram três buraquinhos seguidos; você jogava no primeiro, media um palmo, jogava no segundo.... fui campeão. Minha primeira sala de aula foi um imenso fogão de lenha, em minha casa, do qual fiz meu quadro negro. Sem professores, tinha apenas a ajuda de meu pai, que me fornecia o giz. Imitava letras dos cadernos escolares de minhas irmãs - é que o grupo escolar só recebia meninos com sete anos e eu não os havia ainda conquistado. Quando ganhei a idade, ingressei no meio do ano, quase um Ruy Barbosa de fogão. Escrevia tudo, lendo já “de carreirinha”, como dizia Chico Anísio. Após, na saudável ausência de minhas irmãs, assomava ao piano delas e, conhecendo rápido o primeiro acorde, fui em frente, de orelha, até animar bailes domésticos com as saudosas marchinhas de Carnaval.
DONO DO TEMPO
Enquanto se está no trabalho tem-se pouco tempo para pensar. Teoricamente, durante o dia, você está pensando profissionalmente. Para vencer na vida você tem que pensar profissionalmente o dia inteiro. No meu caso, pensava até de madrugada. Quando você se aposenta faz aquelas coisas que tinha vontade de fazer. Eu estou fazendo aquilo que eu sempre tive vontade de fazer.

ANOTAÇÕES
Poucas pessoas anotaram as coisas como eu anotei. Eu trabalhava duro e só me sobrava tempo para duas coisas: arte e leitura, anotações. O que eu fazia e até hoje faço é anotar. Tenho muita coisa que eu anotei, coisas diversas. O que hoje serve para um blog onde posso falar de futebol a filosofia (www.feiznb.com.br).

FUTURO
Estou fazendo um livro sobre os meus discursos. O meu primeiro discurso foi no “Partido Integralista”, do Plínio Salgado, aos sete anos, escrito por uma prima, muito culta. Outro é um dos meus livretos, que se chama “Estátuas que Falam”, feito quando nós inauguramos o busto do João Pinheiro no Serro. Quando o Serro fez 250 anos fui nomeado orador da solenidade em que compareceu Magalhães Pinto, que transferiu daqui (BH) para o Serro a Capital. Isso foi em 1954. Fui orador oficial, dos 50 anos do Banco Real, em São Paulo.Tem o discurso de quando eu recebi o Título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte, eu aceitei em nome do Vale do Jequitinhonha, que foi quem construiu Belo Horizonte. O Serro perdeu profissionais de construção, que vieram para aqui, onde tinham um ganho muito maior e muito mais trabalho. O Vale, de certa forma, deu muito para a construção de Belo Horizonte.

MONUMENTO
Assisti ao êxodo de quase todas as famílias de classe média alta e ricas do Serro para Belo Horizonte, ao ponto de que hoje Belo Horizonte tem mais serranos do que o Serro. Uma das razões é alguma coisa de que a gente se orgulha muito, mas é algo que, do ponto de vista econômico, é dramático: o Serro ser tombado. É você não ter a possibilidade de reconstruir uma cidade moderna. Tudo lá é antigo. É muito bonito, mas estou encarando apenas o lado econômico. O Serro é, por tudo, uma doação. Sim, o Serro é a estratificação de um pequeno pedaço da pátria e de um significativo momento de um tempo. Seu tombamento é uma fraternal doação de uns poucos à imensidão de todos os brasileiros que nos sucederem, eternamente.

PERTENCIMENTO
O grande sentimento de afeição e de amor ao Serro nasce em mim de certa forma mais forte do que em outras pessoas que lá nasceram, inclusive, meus próprios filhos, porque o meu pai saiu lá do Oriente e foi recebido no Serro, um estrangeiro, e hoje é nome de uma Rua - o nome de um homem em uma rua não é um nome é uma frase. Uma das coisas é essa. A segunda coisa é que tive uma mãe encantadora que nasceu no Serro. Vivi uma época em que a família era ainda um bloco “fazedor” da cultura geral do país. Porque existia algo que hoje não existe mais: a mesa. Era absolutamente proibido falar qualquer coisa triste, discutir ou censurar à mesa. Só coisas alegres. E acontece que hoje a mesa ficou esvaziada; a reunião diária onde nasciam os valores da família e da pátria.