terça-feira, 7 de setembro de 2010

“RODANDO PELA GRANDEZA DO BRASIL”

Se existe um serrano que faz jus à palavra empreendedor, ele é Walderes Ribeiro de Miranda. Nascido em 1928, começou seu primeiro negócio aos 18 anos, transportando queijo e cereais, “rodando pela grandeza do Brasil”, conforme indicava a inscrição no pára-choque de seu caminhão. De lá para cá teve 42 sócios em diferentes negócios: empresa de ônibus, casa de peças, carvão, posto de gasolina, oficina mecânica, depósito de material de construção, papelaria. Na entrevista, o Ekos de Minas retorna no tempo a partir da visão deste ilustre personagem para desenhar o Serro da primeira metade do século XX, com as dificuldades e conquistas da época. Aproveitamos a prodigiosa memória e a gentileza do Senhor Walderes para construir um retrato da evolução a que se submeteram as cidades mineiras, focando um momento em que as residências não dispunham de energia elétrica, água, telefone ou qualquer comodidade oferecida pela vida moderna. Obrigada ao entrevistado pela rica contribuição que extrapola os limites desta Coluna, se embrenha nas entrelinhas da reportagem principal e oferece subsídios ao Inusitado.


INFÂNCIA

Eu nasci onde hoje é a Pousada Mariana (centro do Serro). Minha mãe deixava, quando muito, que eu saísse depois dos estudos. Eu vinha da escola, almoçava e tinha que trabalhar uma hora e meia no armazém do meu irmão, para dar folga ao gerente. Terminava ali, chegava em casa e tinha que estudar até as cinco. Depois a gente pedia: “- Mãe, já são cinco horas posso brincar?” Ela perguntava: “- Já fez todos os deveres?” Ela conferia tudo e eu podia jogar bola no Bota-Vira.

BANHO DE CHUVEIRO
Eu sou do tempo que tomávamos banho de bacia. Só fui tomar banho de chuveiro - com água carregada que meu pai mandava colocar na caixa - na época em que Juscelino (Kubitschek) veio aqui, quando era prefeito de BH (1940 a 1945). Ele era muito amigo de infância do meu pai. Pegávamos a água nas torneiras do chafariz, que ficava na Praça Adelardo Miranda. As casas do Serro demoraram muito a ter água. A primeira foi a do meu pai e assim foi seguindo, uns e outros colocaram.

ENERGIA ELÉTRICA
Nós tivemos aqui, no inicio, luz a gás na rua, com lampiões. O responsável por acender os postes se chamava Propércio Guerra. Ele saía da ponte do Rio do Lucas em direção à Praça (João Pinheiro), passava na Cadeia, depois na Matriz e na Rua São José, acendendo os postes. Nas casas só tínhamos lampião, lamparina, candeeiro; alguns usavam a canela de ema, que servia para iluminar e aquecer a casa. Depois de muitos anos, veio viver no Serro o libanês Nagib Bahmed, que estabeleceu um comércio muito grande aqui. Ele ganhou muito dinheiro e decidiu construir uma Usina Hidráulica. O terreno onde foi construída a Usina era do Prefeito à época, Antônio Honório Pires de Oliveira. O gerador de luz tinha 20 KVA, o que era suficiente para a cidade toda. Quando a luz chegou lá em casa foi uma alegria, porque meu pai já havia comprado com antecedência um rádio e também colocou um rádio desses em um bar e restaurante que ele tinha aqui no centro. Quando havia futebol no Rio de Janeiro, o pessoal ia lá para escutar, mas o rádio mais chiava do que a pessoa escutava!

TRABALHO
Comecei a dirigir caminhão quando fiz uma sociedade com meu irmão mais velho, José Osvaldo de Miranda. Ele me convidou assim: “Nós temos que comprar mais um caminhão.” Eu tinha 18 anos e fazíamos comércio de queijo e cereais. Completamos o terceiro caminhão, e eu comecei a levar queijo para São Paulo e Rio de Janeiro e trazer mercadoria para o Serro. Como o comércio cresceu, compramos o quarto caminhão, com um primo, Fábio Miranda, que passou a integrar a sociedade. Na mesma época, abri um depósito em Belo Horizonte com outro irmão, o Hélio Brasil de Miranda.

ESTRADAS
Eram um sofrimento nossas viagens. Em tempo de chuva era terrível porque daqui a Conceição tínhamos que abrir 37 porteiras e os rios enchiam. A gente ficava um dia, dois esperando o rio esvaziar. Numa ocasião, gastamos sete dias para ir do Serro a Conceição. Mesmo com correntes nas rodas o caminhão atolava. Aí tinha que descarregar, tirar toda a carga para desatolar o carro. Era normal chegar em Belo Horizonte no depósito e dos 4,5 mil kg de queijo transportado perder 1,5mil kg.

CASAMENTO
Depois de muitos anos viajando, resolvi casar, então tive que parar. Foi então que me estabeleci no Serro, com uma casa de peças para veículos em geral.Montei uma oficina com lavagem de carro, mecânica, lanternagem e pintura. Naquela época, atendíamos a muitos carros da região. Assim, aumentou muito a demanda por gasolina e instalei uma bomba naquela área onde hoje é a Rodoviária.

TELEFONE
Eu tinha loucura para aqui ter telefone. Para comunicar com Belo Horizonte a gente tinha que ir para Diamantina, que melhorou muito e já tinha telefone. E a rivalidade? Ficava com um ciúmes danado! “O quê que você está fazendo aqui paneleiro?” E eu respondia: “Vim telefonar, mocó”. “Pois é o Serro não tem nada!” E eu dizia: “Mas nós vamos ter!” Assim era com meus amigos de Diamantina. Então, criamos a Companhia Telefônica do Serro que tinha a responsabilidade de instalar inicialmente cem telefones. Foi muito difícil, mas conseguimos. Procuramos os amigos e aconteceu um fato interessante. Procurei o Osvaldo, meu irmão, e quando eu estava conversando sobre o telefone a esposa dele, Guili, disse que isso de telefone era à-toa porque “cidade pequena a gente grita daqui e o outro responde dali”. Um dia a filha dela foi hospitalizada e o Osvaldo disse: grita aí que alguém dá notícias. Ela veio pedir o telefone. Depois que pagamos tudo, fomos atrás de implantar o sistema interurbano no Serro, nesta época o Waldemir (Lins Mesquita) já era o presidente da Telefônica. Meus amigos de Diamantina? Liguei para eles todos!

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