quinta-feira, 9 de agosto de 2012

VILA NANINHA E SALA VERDE: HISTÓRIAS DA RUA DIREITA


O Serro guarda recantos, aguarda encantos, sublimes momentos. Basta a paciência de percorrer suas inusitadas vielas e permitir o encontro, a prosa, esquecer o tempo. Em uma das pequenas incursões pelas histórias e personagens serranos, as curvas de nível da Rua Direita apresentaram a “Vila Naninha”. Inusitada inscrição na cimalha de imponente e delicada fachada de uma das casas que acompanha o desenho da rua.
Eis que estava entre uma observação e outra o Senhor Geraldo de Miranda Nunes (conhecido no Serro como Seu Didi), comandando as intervenções na Vila Naninha, atento a cada detalhe dos recortes de madeira, às argamassas e tijolos, às cores e detalhes. Finda a árdua seleção de necessidades e caprichos, ergue-se novamente formosa a Vila dedicada a Naninha.
Primeira pergunta: Por que Vila Naninha? Gentilmente, como sempre sorriso e gentileza única, explica Seu Didi que o antigo proprietário bordou o nome da esposa na casa para que esta fosse a última entre as tantas já percorridas pelo casal no Serro, já que ela não se contentava com nenhum dos imóveis antes habitados por eles. Conta ainda que a esposa, vendo o seu nome gravado na parede da frente e bem visível, se apaixonou pela casa e nunca mais quis sair dela. O seu nome era Naninha.
Bastou este breve intróito para que mais um encontro fosse marcado.  Desta feita, com a delicada presença e sutil encanto de Maria Celina Silva Nunes, esposa de Seu Didi. Dona Celina conhece as possibilidades e limites da Vila como ninguém. Há 79 anos a casa guarda a memória da historia de D. Celina e sua família, que para lá se mudou aos cinco anos de idade e ali viveu até que a “Sala Verde” determinou seu destino.
Sala Verde? Esta é outra interessante história que a Vila Naninha guarda. Seu Geraldo conta que a Sala Verde é uma tradição de família: “O casal que é namorado ou noivo que entra aqui, se casa. Fomos os primeiros que entramos aqui noivos e nos casamos”. E desde aquele dia em que o Senhor Benjamim Brandão Nunes, pai de Seu Geraldo, pediu a mão de Dona Celina ao Senhor Francisco de Moura e Silva, passaram-se 65 anos, 8 filhos, 22 netos e 15 bisnetos! “Eu tinha 22 anos e Celina, 19 quando nos casamos. E isto depois de sete anos de namoro e noivado”, sorri Seu Geraldo. “Temos uma bisneta de 18 anos”, sorri Dona Celina. O amor resiste ao tempo, ultrapassa a vida e dignifica o mundo. E esta história só está começando.







“DE BAIXO”


Feiz Nagib Bahmed -  www.feiznb.com.br

“As palavras, como os homens, são seres vivos. Nascem, crescem e algumas morrem.” [Prof. Luciano Oliveira]

Ainda na primeira metade do século XX, e, certamente, nos passados anos, era comum ouvir-se nas cidades antigas de Minas Gerais, como Serro, Diamantina e outras, a expressão “de baixo”, como sinônimo de “estrangeiro”, ou “importado” – em relação a produtos.
Assim, um doce enlatado provindo de Portugal ganhava em Minas o nome de “doce de baixo”. Sim, visto das alturas de Minas, tudo o que viesse do exterior, naturalmente por mar, partia de um porto, Rio, Santos ou outros – todos, obviamente, postos geograficamente abaixo do chão mineiro. Justificada estaria então a expressão como uma espécie de apócope da locução “de baixo para cima”, sem que isso denotasse necessariamente uma condição de inferioridade do dito produto.
Fato é que um biscoito francês – assim como outros tantos produtos importados – era denominado “biscoito de baixo”, ganhando, àquele tempo, a adjetivação de “biscoito importado”, com o que se sofisticava o produto, em detrimento dos nossos então caipiras…
Nenhum dicionário, dos muitos que vimos – nem mesmo o histórico “Dicionário de usos do Português do Brasil”, de Francisco Borba – anota a expressão, que, com o tempo, morreu. Os dicionaristas registram apenas o advérbio “debaixo” para identificar “posição verticalmente inferior” ou “condição de inferioridade”; mas a expressão adjetiva “de baixo” estará registrada, com certeza, nos escritos populares da época.

DONA LOURDES: SABEDORIA E SOLIDARIEDADE


O Ekos de Minas presta homenagem a Maria de Lourdes Moreira Pires, Dona Lourdes Pires, uma serrana nascida em Sabinópolis, que doou ao Serro seu carinho e conhecimentos a um sem fim de alunos das Escolas João Nepomuceno e João Pinheiro - nesta última D. Lourdes era diretora quando se aposentou em 1980. A primeira escola foi no Pasto do Padilha, onde trabalhou por três meses.
Sentada à máquina, Dona Lourdes não mede esforços para a solidariedade! Em campanhas que ela mesma organiza e realiza pessoalmente, garantiu troca de rouparia da Casa de Caridade do Serro, com a confecção de lençóis para abastecer o Hospital. Casas, já construiu muitas, em campanhas realizadas na cidade, com projetos que ela mesma rabiscava e realizava.
Hoje, guiada pelo Pico do Itambé, com a resolução inocente das crianças que pretendem alçar grandes vôos, aos 90 anos, Dona Lourdes reúne biografias para editar uma publicação que pretende preservar a memória de serranos que marcaram a história do país, como João Pinheiro e Theóphilo Ottoni, e mesmo aqueles que deixaram sua pegada apenas nas terras férteis do Serro. Anda ela com seus escritos, ideias e personagens a percorrer vastos caminhos, que remetem ao Serro do frio e da modernidade, desvendando vidas e fazeres para apresentar às gerações serranas o seu legado humano. Com voz mansa e firme, olhar simpático e sorriso fácil, Dona Lourdes pede apenas um breve relato da história de cada um, um pouco dos caminhos trilhados, para compor o livro, que já tem nome e sobrenome: Anotações Biográficas - Valores do Serro.


SERRO: PAISAGEM INTERFERE NO TEMPO

O Serro de tantos, com suas nuances, amores, cores, romances e negações segue tal qual o tempo determinou, com os desígnios incontestáveis de seus casarões, igrejas e ruas históricas. Este Serro fincado em seus mais de trezentos anos resiste aos encantos do progresso e mergulha adormecido nas glórias e conquistas passadas. Exceto por brandas interferências – uma casa ali, um muro acolá – e pela fome devastadora das periferias, que insiste em determinar o fim das populações rurais, o Serro permanece estático, assim como sua memória deve conservá-lo. Para avivar e confirmar as lembranças, o Ekos de Minas publica o Serro, imagem congelada no tempo, preta e branca, branca e preta, presente, instantes, inexiste, se confirma, no tempo.