sexta-feira, 11 de abril de 2014


A COLHEITA MANTÉM A COERÊNCIA DA SEMENTE


Sorriso sempre no rosto. Uma palavra de carinho, consolo ou gentileza sempre na ponta da língua, sabedoria para quem solicitar... Assim é Francisco Epaminondas dos Santos, conhecido como Nondas ou Noquinha, proprietário do Restaurante Vila do Príncipe, espaço serrano já consagrado pelos anos de portas sempre abertas e a simpatia do dono.
É provável que muitos moradores do Serro tenham histórias para contar sobre o Vila do Príncipe. Na edição nº 6, o Ekos de Minas publicou o quadro e a história de Lúcio Flávio Reis Simões e Magno Zé Ó.
Aqui ecoamos a voz do menino Francisco, que muito cedo se iniciou na lida laboriosa dos humildes. Filho de Eva Martinha dos Santos e João Catarina dos Santos, o menino do Morro Centenário nasceu no dia 9 de março de 1949. Dona Eva cuidava dos dez filhos com dedicação ao lar e lavando roupa para complementar a renda da casa. Enérgica e amorosa, recebia a ajuda dos filhos, como Nondas, que aos sete anos trabalhava na limpeza das ruas da cidade, contratado pela Prefeitura Municipal, pelejando com a insistente vegetação que se esgueira por entre as pedras do calçamento, enfeita e intimida as valentes vias do Serro. “A gente era pobre demais. Então eu recebia o dinheirinho da Prefeitura toda semana e a primeira coisa que eu comprava era um pão molhado e um copo de groselha no Bar do Lindolfo (Bar que ficava no Centro do Serro, onde hoje está instalada a agência do Banco Itaú), o resto eu entregava para minha mãe”, lembra Nondas.
Outras lembranças chegam ao alvorecer, antes mesmo que o astro rei venha iluminar o friozinho das manhãs serranas: “Quando não tinha serviço na Prefeitura, minha mãe nos acordava de madrugada para buscar lenha. Voltávamos antes das sete horas e, depois da Escola, vendíamos a lenha”. 
Aos doze anos, Nondas tem a primeira oportunidade de testar seu tino para os negócios. Dona Eva lavava roupas para o Senhor Jacinto Magalhães, que tinha um armazém instalado na Praça Ângelo Miranda, onde hoje está a Cooperativa dos Produtores Rurais do Serro. Resultado: “Ele me ofereceu trabalho no seu armazém e lá fiquei de 1960 a 1965, fazendo entregas. Depois o armazém fechou e o dono me indicou para trabalhar em Belo Horizonte. Fui fiquei lá e não gostei. Com 60 dias voltei para o Serro”, disserta.
No retorno da Capital surge a semente do Vila do Príncipe, batizado com este nome pelo Senhor Alberto Pimenta Lessa: “Quando cheguei de volta ao Serro, numa quarta-feira, Alberto Lessa tinha aberto um restaurante na Praça João Pinheiro, e estava na porta do estabelecimento quando desci do ônibus. Ele me chamou: - Preciso de um rapaz para lavar copos, você quer? Vou uai, respondi. No dia seguinte estava lá. Comecei lavando copo, depois fui atender mesa e cheguei até ao ponto em que comprei na mão do filho dele!”, comemora.
O restaurante funcionou na Praça João Pinheiro até 1980, quando o filho de Alberto Lessa, Adelmo Batista Lessa assumiu o negócio e o transferiu para a parte debaixo de sua casa, na Praça Dom Epaminondas. “Eu gerenciava tudo”, conta Noquinha.
Bom, para continuar esta história, é preciso convidar um importante personagem, a Senhora Graciola Rocha Silva Santos, com quem Nondas se casou em 1972. Dona Graciola é o estimulo e a grande companheira de Nondas na empreitada que agora está por vir: “Em 1990, mais ou menos, decidi que já era hora de montar um restaurante para mim. Convidei o Francisco (Francisco Jairo Nunes da Cunha Pereira) para ser meu sócio e falei com o Adelmo: - Olha Adelmo, não vou mais trabalhar para você. Vou abrir um restaurante para mim. O Adelmo me chamou: - você não vai abrir um restaurante, eu vou vender o meu para você. Assinei 24 promissórias e, como já tinha combinado com o Francisco, convidei-o para ficar comigo. Ficamos juntos três anos e nos separamos e aqui estou até hoje”, sorri.
Em seus quase 50 anos de experiência em atendimento ao público no Vila do Príncipe, Nondas exercitou o que aparentemente já sabia: paciência e humildade. “O balcão é uma faculdade. Você aprende, conhece as pessoas. Todo mundo é diferente. Não existem pessoas iguais. Cada um é único. É fundamental ser humilde e calmo. Aprender a escutar as pessoas. Todo dia acontece uma coisa diferente. Uma vez, um senhor me pediu leite quente. Servi o leite e ele disse: - Eu pedi leite quente. E jogou o leite em mim. O Adelmo quis brigar com o sujeito, eu pedi calma e disse para ele deixar. É preciso equilíbrio emocional. A gente lida com todo tipo de gente, gente boa, gente ruim. Tenho 47 anos de balcão e nunca tive problema com ninguém. Acho que vou pendurar minha chuteira com a satisfação de não ter feito inimigos”, filosofa o empresário, e completa: “É mais fácil chorar com quem chora do que rir com quem ri, sabe por quê? O ser humano é muito egoísta, é a nossa natureza.  É sempre importante se relacionar bem com as pessoas. É sempre bom ser gentil. Todo mundo tem seu valor e gosta de ser bem recebido”.
E o Ekos de Minas amplia suas histórias, agradecendo o breve, mas infinito ensinamento das palavras de Nondas e se prepara para a próxima aventura... sugestões são sempre bem-vindas!

VÃO-SE OS ANÉIS, FICAM OS DEDOS

Das terras serranas, um sem fim de sonhos dourados escoou para enfeitar os desejos de outros povos, de outras gentes. Os veios de sangue da terra jorraram intransigentes ao deleite das dragas inescrupulosas que sem piedade garimparam anseios de riqueza. E muitos se foram... E muitos ficaram... E outros tantos inspiram o mesmo sonho que não brota mais em intensidade ou sequer alimenta o corpo na lida cotidiana. E o Serro viu serem erguidos e abandonados castelos dourados que não são mais do que areia... infértil e sem vida. E a história se perpetua na extração insolente das entranhas da terra, dos leitos dos rios, das matas que outrora foram virgens. E a cidade - que se formou, cresceu, murchou e se reergueu do ouro - encontra mais uma vez o seu destino na proibição do garimpo e na escassez das antes voluptuosas minas auríferas que já não fazem mais caso ao desejo do homem.
Entre tantas idas e vindas, vontades e inspirações esquecidas, passeiam o Serro e seus rincões, alimentando-se do passado e buscando a prosperidade futura, que, certamente, não está no retorno à mineração. E não é diferente no povoado de Boa Vista de Lajes, a 25 km da sede do Município.  Lá o garimpo também trouxe riquezas e abandono. Lá as famílias contemporâneas - assim como as do Serro passado - também experimentaram a opulência e a decadência e viram maridos, pais, seus homens, precisarem sair do pequeno lugarejo para alçar outros vôos e buscar em terras estranhas a sobrevivência que já não vem da natureza, mas do trabalho. As mulheres ficaram. Os filhos, a lida diária, a sobrevivência.
E então as ganas de outros sonhos constroem a esperança. Um grupo de nove mulheres antecipa o futuro e encontra na manufatura artesanal de objetos utilitários e de decoração a possibilidade de antecipar a crença em tempos melhores. A matéria prima escolhida é o capim barba de bode, abundante e típico da região. O apoio para tornar concreta a vontade veio da Associação Clube de Mães, Oscip com sede no distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, e da Associação Comunitária Campos Verdes, de Boa Vista de Lages. A realização da inspiração vem com a criação do Grupo Estrela do Campo, em 2008, formado por mulheres “comprometidas com a promoção de mudanças na comunidade local”, segundo conta ao Ekos de Minas a artesã Elizângela Sales Vieira Cardoso (foto), uma das bravas que doam seu tempo e seu talento para “construir alternativas econômicas sustentáveis, amparadas nos conhecimentos tradicionais e na convivência harmoniosa com o meio ambiente”, argumenta.
O artesanato já reuniu a família de sete das nove artesãs que participam do projeto. Com os maridos em casa, a renda pode ser complementada com o plantio de frutas e hortaliças para subsistência e ainda comercialização para a merenda escolar. O manejo do capim - a inspiração que vem do cerrado - é cuidadosamente estudado com o apoio da UFVJM para não faltar matéria prima.
Assim, o Estrela do Campo ensina a harmonia com o ambiente e reforça a participação da família na construção  dos rumos que pretende o futuro, responsáveis pelas suas escolhas e conscientes da sua atuação no mundo. Pura utopia... O desafio agora, segundo Elizângela, é ensinar aos jovens que o melhor é ficar.



Vontade de abstração. Desejo de conceituar o aparente. A inerente contestação observa o desdobramento do óbvio e encontra eco em outras vozes. Aqui, o Ekos de Minas desperta para o olhar de Danilo Arnaldo Briskievicz, serrano graduado, pós-graduado e mestre em filosofia. Autor de livros e textos de história, de fotografia, de filosofia e de poesia.
No livro de fotografias Serro Olhar, Danilo desvenda o Serro antigo, preservado desde 1938, “das interferências do tempo” e convida a uma reflexão sobre a cidade: “Será que olhamos para a mesma cidade de 1938?”. “Definitivamente, não”, constata Danilo. “Os lotes superpovoados, divididos entre três, quatro famílias. A frota de carros pequenos e grandes tomando todo o espaço de fruição da vida. A necessidade comercial acima de qualquer aspecto de gentileza urbana. As praças utilizadas como espaços para lazer viram quadras de futebol. Os carros em som estonteante teimam em lembrar que o tempo é outro. O que mudou, então, a cidade ou as pessoas?
Definitivamente, as pessoas. São os moradores que optam por fazer a sua cidade. Pintam suas casas. Deixam suas antigas moradias ruírem. Ocupam o espaço público sem a preocupação com o coletivo. Aceleram seus carros e ligam seu som sem se lembrarem de que a vida coletiva é uma herança para todos. Assim, olhar o tempo em Serro, agora, impressiona. As pessoas vivem como se quisessem estar numa cidade grande.  O ritmo de vida assim se desenha catastrófico. A cidade foi inventada para pessoas em ritmo de convivência gentil. A mesma gentileza que vemos em algumas observações: os lindos jardins do Machadinho e do Paneleiro mostram que a gentileza urbana independe de recursos financeiros. Os meninos jogando bola no Morro da Páscoa sabem que a cidade ainda é um espaço para a alegria.
Olhar o Serro. Serro, olhar. Olhar para a cidade e se enxergar no tempo que passa com suas controvérsias. Tarefa difícil para o fotógrafo que nasceu na cidade onde o tempo não muito distante pulsava ainda o barroco. Até quando vamos ver no Serro o tempo que não passa? É bom registrar agora o olhar. Nesse olhar de quase desencantamento buscar a cidade setecentista inventada para ser eterna”.