quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

ENSAIO SOBRE AS TROPAS: UM COMEÇO DE CONVERSA

Maíra Buarque e Sônia Nunes Mesquita

No encalço das histórias e memórias da região, o Ekos de Minas alcança as tropas e caminha ao lado de tropeiros e tropeços para lançar loas, desconstruir fatos e compor, à moda das lembranças, essa inequívoca homenagem aos homens do futuro, que carregaram sonhos e desejos, nas trilhas e rumos das Minas Gerais e do Brasil. Aqui, abre-se um apêndice das infinitas possibilidades das vidas e acasos das “marchas” que delimitavam os dias e duravam a eternidade do tempo, no ritmo das tropas e dos passos da humanidade.
Esta conversa apresenta as impressões de Mário Andrade dos Santos, tropeiro já falecido, que se por aqui estivesse teria 97 anos recém alcançados, no dia 1º de fevereiro. A entrevista com este personagem - realizada no dia 25 de julho de 2001 - é um presente dos arquivos de Sônia Nunes Mesquita, que permitem à memória e reflexão a abstrata sensação de vivenciar o intangível.
A percepção dos fatos começa sempre pela estrada a se percorrer. Um caminho empoeirado revela capítulos esquecidos das páginas da vida, uma paisagem de sonhos e de eternas lembranças, e registra Mário Andrade dos Santos, ex-tropeiro, um entre tantos desbravadores de dificuldades e caminhos, que contam o tropeirismo com a mesma emoção que se admira o brilho de um diamante na bateia. Ele explica que a tropa era composta por lotes, formados por, em média, dez burros e um cavalo madrinha. Acompanhavam a tropa (que poderia ter um ou mais lotes) o arrieiro, o cozinheiro e o tocador. A cada dia de viagem dava-se o nome de marcha; às grandes bolsas que levavam a carga, bruaca; e aos apetrechos utilizados no arreamento: cangalha, retranca, capa, cilha, cabresto, peitoral, jacás, rabicho. “No tempo dos tropeiros a vida era muito boa. A gente saía pelo interiorzão de Minas, em tropas grandes, levando feijão, “goma”, queijo e recados para o povo que vivia distante. Depois veio o carro e as tropas sumiram”, contou em entrevista o velho tropeiro.

No dia 27 de julho de 2001, foi a vez de conhecer João Emílio Pereira, ex-tropeiro como Mário, que só não levou toda a sua história quando faleceu, porque em um antigo disquete, Sônia Nunes Mesquita reservou impressões e sentimentos deste serrano, que já cruzou com onças, cobras e todo tipo de susto que reservavam as viagens com a tropa. De todas as regiões por onde passou, Curvelo é a que lhe traz as melhores recordações. Lembra das festas de São Geraldo, que participava com fervor das celebrações. O produto que levava para esta região era o café. Trazia caixas de cerveja, farinha de trigo, latas de querosene, açúcar e sal para o Serro.

E a história continua com Sebastião Ribeiro da Silva (à esquerda), hoje com 82 anos e muitas saudades das tropas. Sebastião conta que “puxava” milho, areia, tijolo “para estas casas todas aqui do Serro”. Com o pedreiro José Rabelo (chefe de caboclos de Nossa Senhora do Rosário do Serro, já falecido. Uma boa história para se contar!), Sebastião lembra que ajudou a construir a casa nº 26, da Rua Nagib Bahmed, no Serro, hoje residência da família de Walderes Ribeiro Miranda: “puxei o tijolo quase todo para construir esta casa”. Saudosista, Sebastião revive os bons tempos das tropas: “Quando viajávamos em direção a Diamantina, passávamos por um lugar que tinha muita lenha. Eu montava no cavalo que madrinhava a tropa e cortava feixes de lenha para colocar nos burros que já tínhamos vendido a carga deles. Chegávamos em Diamantina de manhã cedo, 5, 6 horas. Lá não tinha fogão a gás, então vendíamos os feixes de lenha, por 200 réis, o menor, e 400 réis, o maior. Com o dinheiro comprávamos pão quentinho!”.
Geraldo Azevedo Freire, no livro “Caminhos da Memória”, descreve o Mercado Municipal do Serro, no início do século XX, como “o ponto de maior movimento da cidade, das cinco horas da manhã até pelas seis horas da tarde! Durante o dia, era intenso o movimento na Cavalhada e por toda a rua, segundo creio, hoje denominada Antônio Honório Pires. Grande parte da praça, bem em frente ao Carmo, era o Carregador do Mercado, com inúmeras estacas onde se amarravam os animais. De segunda a sexta-feira, de manhã à tarde, chegavam e saíam os lotes, uns após os outros, naquele mesmo ritmo tranquilo e conformado dos que vão enfrentar grandes jornadas! (...)
(...) Em fins de 1929, o Mercado se mudou para a Praça Ângelo Miranda, indo se instalar no prédio novo, construído para tal finalidade - umas quatro vezes o tamanho do de lá da Cavalhada. (...) Até 1937, (...) era ainda significativo o movimento de tropas na vida da cidade e da região. Justamente àquela época, começou o roncar dos motores dos caminhões a sufocar, nas nossas estradas de eras coloniais, o relinchar tristonho e resfolegar ritmado dos penitentes burros e bestas dos nossos lotes!... O nascer das toneladas e o desaparecer dos quilos; o silenciar dos guizos e o despertar das buzinas; as patas pelas rodas; o tropeiro pelo motorista!”
Nos caminhos da memória, o Ekos percorre as histórias que narram vidas e acontecimentos e convida a ampliar o seu relato! Este é um enredo possível... que tal ser parte das possibilidades que ora se abrem? Envie fotos e relatos para o Ekos de Minas e seja parte ativa desta memória (ekosdeminas@gmail.com).



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