segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA!

“Terminal Rodoviário, passageiros, motoristas e trocadores, boa viagem, vai com Deus homem da alavanca” Assim este serrano, nascido em 28 de abril de 1958, convida os passageiros que partem em diferentes direções a encontrarem seu destino, sem deixar de brincar com os motoristas, que sempre têm um apelido inventado por ele e proclamado ao microfone. Com bom humor e gentileza ímpar, Antônio Farnesi coordena os rumos da Rodoviária do Serro, mas faz muito mais: presidente de Banda de Música, Sacristão e, acima de tudo, um sábio que conhece como ninguém a simplicidade da vida e a melhor maneira de agradar ao outro. Vive no Serro “os mesmos anos que tem de idade”. Conhece diversos lugares, já passeou muito, mas não sai do Serro para nada. “Aqui nasci, fui criado, enterrei meus pais e pretendo ir daqui para o cemitério”. Nesta edição, o Ekos de Minas apresenta um pequeno pedaço do universo repleto de alegria e sabedoria de vida de Antônio Farnesi, um serrano da gema que ama o Serro e a sua história como poucos e ensina em cada sorriso e boa prosa um pouco do segredo de bem viver. 

Lição de vida
A vida é o seguinte: se ela for só boa, pode ficar tranquilo que vai aparecer uma novidade qualquer. Se for só ruim, pode ficar com esperança, que amanhã vai dar certo. Aceito a vida como ela vier. Eu gosto sempre de me manter alegre e satisfeito. Sou muito bem humorado, faço de conta que não entendo as ofensas para não levá-las em consideração. Adoro levantar o astral de qualquer pessoa, adoro destacar a pessoa. A coisa mais triste do mundo é falar uma coisa desagradável. Não é tudo que a gente leva em consideração, principalmente no mundo em que vivemos, muita raiva, revolta. Levo a vida da melhor maneira possível. Um exemplo: um sujeito muito pobre, muito pobre mesmo, ao ponto de passar fome, morava perto da minha casa. Ele roubava banana no meu quintal, vendia para mim e eu comprava. Sabia de tudo. O que custa comprar minhas bananas para ajudá-lo? Ele precisa!

Infância
As nossas brincadeiras na época eram carrinho de direção, empinar pipa. Papai era muito caprichoso e fazia uns carrinhos lindos para mim. A gente descia nas laterais da escadaria da Santa Rita. Descia embalado, e quando queria parar vinha cavucando a terra. Papai tinha uma barbearia lá perto. Meu pai fazia tudo por mim, eu era filho único, ele me amava. Era um pai que, apesar de ser barbeiro, fazia tudo de madeira. Uma vez eu comecei a pirraçar porque queria um carrinho de direção. - Meu filho, não tem madeira! Insisti. E o que ele fez? Tirou uma porta da casa e a transformou em um carrinho para me satisfazer. Para o gosto dele, eu não tinha casado nunca. Nenhuma moça servia para ele. Nada que eu tivesse na cabeça de casar ou progredir na vida papai aceitava porque ele tinha medo de eu sair do Serro. Ele me travava em tudo!

Rodoviária
O Prefeito Dermeval Magalhães era muito amigo do meu pai e me conseguiu um emprego na Praça de Esportes. Quando cheguei lá me puseram para capinar. Nunca na minha vida eu tinha mexido com ferramenta nenhuma. Machuquei a mão toda. Falei: -Pai, eu não vou ficar não. - Por que meu filho? Me puseram para capinar e eu não estou aguentando. Papai falou com o Prefeito e ele disse: -Meu Deus, aquilo não é menino para capinar! E passou uma ordem que não era para eu pegar na enxada nem para carregar! Aí fiquei alegre demais! Depois fiz um curso de guarda bancário e fiquei oito anos no Banco Real. Quando o Banco fechou, quiseram me aproveitar fora, mas eu não quis. Então o Prefeito Waldemir Mesquita me retornou à Praça de Esportes. Um dia, Waldemir me pediu: -Amanhã vamos inaugurar a Rodoviária e preciso dos seus serviços. -Perfeitamente, respondi. Na inauguração da Rodoviária, peguei o microfone e comecei a dar partida nos ônibus, desejando boa viagem e tal. Waldemir então falou: -Você me agradou muito com a sua iniciativa, não volta mais para a Praça de Esportes, está aqui definitivo. Voltei na Praça de Esportes só para buscar meus teréns. Isso tem 32 anos.

Família
Ficamos eu, meu pai e minha mãe juntos a vida toda. Minha mãe faleceu de câncer, quando eu tinha uns 16 anos, e ficamos eu e meu pai. Um dia, meu pai morreu. Fiquei sozinho. Meu pai faleceu em 7 de janeiro e me casei em 20 de setembro do mesmo ano. Casei-me com Maria José aos 25 anos. Depois minha esposa apaixonou-se pelos Estados Unidos e quis mudar-se para lá. Desejei que fosse com Deus, porque do Serro não saio. Tenho três filhos maravilhosos. Minha caçula me liga duas, três vezes por dia. A outra me liga menos, mas nos falamos muito. Hoje, minha esposa vem ao Brasil e somos amigos, ela fica na minha casa, não desquitamos nem divorciamos, o que é dela é meu, o que é meu é dela e pronto acabou. Eu e meus irmãos - porque eu tive irmãos, mas morreram - fomos fabricados na mesma casa que os meus filhos! Onde nasci, meus filhos foram inventados.

Banda de Música e Procissão
Toda vida gostei muito de comer e beber. Nunca deixei de ser convidado para nada, graças a Deus. Sempre gostei e gosto até hoje de festa de aniversário, de casamento, de festas religiosas, principalmente as que tenham banda de música. Gostava muito de música, mas não consegui aprender um instrumento, pelejei, mas não consegui, então, resolvi apreciar. Fui sacristão de Igreja por quatro anos. Uma vez o Padre pediu que eu organizasse a procissão até ele chegar. E durante a procissão tem um momento para a Banda de Música, os cânticos e o terço. Para a Banda tocar mais, aproveitei que o Padre não estava lá e dei um aviso: -Nós vamos sair agora, o Padre deu ordem para sair, mas não vamos rezar o terço. Assim me obedeceram. O Padre chegou todo apavorado: -Gente, cadê o terço? Responderam: -Antônio Farnesi falou que não tem terço, não. O Padre: -Mas Antonio, como é que o senhor faz isso? Respondi: -Aproveitei que o senhor não estava e deixei o terço para depois, para a Banda tocar mais. Na época, o Padre era Dom Geraldo Vieira Gusmão, hoje ele é bispo e fui a Belo Horizonte para a sua celebração de 50 anos de ordenação sacerdotal recentemente.
Outra de procissão. Tinham uns apelidos aqui no Serro que não podiam ser falados que dava muito problema. Tinha um sujeito que toda procissão carregava o guião - pendão ou estandarte que vai à frente das procissões. E ele tinha o apelido de limonada. Quando a procissão passou perto do Ginásio, a molecada já sabia, e um gritou: -Água. Outro respondeu: -Limão! O outro gritou: -Açúcar! -Se “musturá” eu largo essa desgraça aqui! Num “mustura” não! E a desgraça era a cruz. E não é mistura, é “mustura”. O pessoal gostava de mexer com ele na procissão, porque na rua ele corria atrás dos outros, jogava pedra.

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