quinta-feira, 22 de setembro de 2011

HISTORIADORA DESVENDA AS FAZENDAS DO QUEIJO

Original, singular, única e apaixonada pelas histórias e fazeres do Serro e região. Quem conhece a historiadora Zara Simões entende como estes adjetivos lhe caem bem. Estudiosa da Festa do Rosário entre outros temas, a pesquisadora encara um grande desafio: desvendar a história das fazendas que guardam peculiaridades e preciosas informações sobre a produção do Queijo do Serro. A intenção é resgatar, a partir da memória oral, a memória das fazendas. A proposta está sendo executada para compor o acervo do Salão do Queijo - que está em processo de instalação no Serro - e vai disponibilizar informações sobre cada um dos dez municípios que compõe a região produtora de Queijo do Serro e as entrevistas para pesquisas e, quem sabe, propor “um mapeamento destas propriedades, que pode vir a ser, por exemplo, um Circuito do Queijo”, vislumbra Zara Simões. Neste entrevista, o Ekos de Minas conversa com Zara Simões.



Metodologia

A intenção inicial era resgatar a partir da memória oral a memória das fazendas, já que encontrei pouquíssimos documentos sobre o tema. Então me deparei com mais uma dificuldade, não encontrei nenhum tipo de mapeamento da área rural na região para amparar o trabalho, então parti de uma proposta de percorrer os rios, imaginando que havia grandes fazendas próximas aos rios. As primeiras entrevistas me deram a segurança desta metodologia. Acho que até ousei muito, não imaginava o tamanho que seria o projeto.

Queijo e vida
O trabalho começou em meados de maio deste ano, já devo ter visitado mais de 60 fazendas, e ainda não fui a todas. Estou surpresa com este mundo rural que ainda existe, de encontrar fazendas como as da minha infância, fazendas grandes e produtivas, com milho, rapadura, queijo, com famílias agregadas. Encontrei também grandes fazendas que eram prósperas e hoje são fazendas fantasmas, só tem a casa, a terra e o gado. E então a gente percebe como o queijo é importante, porque o queijo é vida. Uma fazenda com produção de queijo é uma fazenda de alegria, cheia de vida. As fazendas apenas leiteiras, o vaqueiro tira o leite e pronto, não têm uma criação animal, não têm nada.

Descobertas
Tem muita coisa interessante neste trabalho. Por exemplo, a teoria em voga diz que o queijo do Serro teve origem na produção da Serra da Estrela (Portugal). Descobri em um livro da década de 1920, de Castro Brown, que há uma outra hipótese que se refere aos ilhéus portugueses, da região dos Açores, Ilha da Madeira. A produção de queijo na Serra da Estrela era com leite de ovelha e coalho vegetal, a partir de uma flor. Já os ilhéus utilizavam o coalho animal, como o nosso. Outra coisa que achei fantástica: consegui um selo de metal, como uma moeda, que identificava o Queijo do Serro e era colocado no meio do queijo. O selo tinha as iniciais do produtor, um número de identificação e a cidade produtora.

Patrimônio
Os queijos certificados estão con-centrados na região do Serro e Alvorada de Minas, mas quando vamos para a região de Serra Azul, Rio Vermelho, Paulistas, o queijo ainda é produzido utilizando-se banca de madeira, pouquíssimos produtores são certificados e existem queijarias com paredes de madeira e chão batido. Encontrei uma única propriedade onde as formas também são de madeira. Depois de andar muito pela região, acredito que a legislação existente é contestável. A madeira foi substituída, mas ela é importantíssima para o queijo. Muitos produtores que mudaram a banca para a ardósia estão com dificuldades em manter um ingrediente que o próprio Registro do Queijo (como Patrimônio Imaterial) trata como o diferencial do queijo do Serro: o pingo. Muitos hoje pegam um pedaço do queijo, ralam e usam como pingo, mas isso muda a característica do queijo, que fica mais seco. Ouvi muitos dizerem que o pingo da banca de ardósia é fraco. Acredito que deveria existir pesquisa universitária profunda para ver se realmente a madeira é o grande problema. É preciso embasamento científico para afirmar que a madeira é o que traz o problema. E se não for? E se daqui a cinco anos descobre-se que a madeira não é o problema, como fazer novas bancas?

Questão Social
E quando a legislação for exigida com rigor? Quem não se adequar, não pode mais produzir. E muitos não têm possibilidade financeira para se adequar. A quantidade de pequenos produtores que temos na região é muito grande. E quem produz queijo é porque não tem acesso para entregar o leite, a alternativa é fazer o queijo. E o queijo significa dinheiro toda semana e muitas vezes o único. E estas pessoas vão fazer o quê? Não podem entregar leite porque não tem estrada para chegar lá e não vão poder fazer o queijo. É preciso pensar sobre os problemas sociais que isso pode gerar, eles vão viver de quê?















Turismo
O turismo é um grande potencial para a região. Conheci fazendas belíssimas, perfeitas para a visitação, podem ser hotéis confortáveis. Duas propriedades por onde passamos tinham as paredes das casas com pinturas na parede. Cada cômodo com uma pintura diferente. Uma delas bem preservada, a outra está sendo recuperada, mas as pinturas precisam de restauro. E estas fazendas ficaram porque estão um pouco mais distante, mas o asfalto está chegando. O turismo pode ser uma retomada da vida nas fazendas. Acho que este foi o grande ganho deste trabalho, fazer esta memória antes que a gente não tenha mais nada para contar. Encantei-me novamente pelo mundo rural do Serro, foi uma grande surpresa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário